sobre o ciúme


basta pouco pra eu ficar insone, rondando a casa como um morimbundo: as sombras, sussurros, esse cheiro de noite ou a rua não preenchem uma lacuna.

eu sinto tesão, desarmonia, o sangue correndo; eu sinto o sabor das cores, uma raiva pulsante e tanto ódio do antigo, nem isso preenche uma lacuna.

eu passo horas buscando, ardendo, ignorando, esperando, mas a lacuna só faz aumentar.

eu quero nós sorrindo pra lástima alheia.

são esses planos sombrios de acabar com o resto, de te mostrar a minha visão distorcida e de você gostar que ficam enfatizando o óbvio na minha cabeça: somos nós...

ah, a lacuna se preenche com sangue, suor ou lágrima.

sobre a morte

nós, os seres humanos, gastamos o tempo de nossas vidas reclamando dela: como poderíamos ter feito mais e melhor; nos arrependendo de não termos aproveitado uma chance e, quando chega a velhisse, sentimos nostalgia da boa vida que tivemos.

beware

Eram 17h40: as duas voltavam cansadas do trabalho num trânsito que contornava um shopping em véspera de Natal.

Ao parar pela quarta vez em um pequeno trecho da rua que parecia infinita, contando com a fiel contribuição do motorista na frente, que aflorava seu espírito natalino deixando os outros motoristas entrar em sua frente, ela consentiu e resolveu aproveitar sua posição de carona para observar os acontecimentos a sua volta:

Passavam pessoas apressadas, cheias de sacolas, outras tantas (muito mais) com um semblante exausto aguardavam o coletivo, alguns aproveitavam o movimento em torno do shopping para comercializar desimportâncias, em meio a quase talentos perdidos nos instantes vermelhos do semáforo.

Dentre àquela histeria de consumo, enrolada com fitas vermelhas e luzinhas brilhantes, uma cena em particular lhe chamou atenção:

Um pombo, aquele bicho asqueroso, abominável, grande e desajeitado demais (e todas as aves não são assim?) se banhava tranquilamente numa poça d'água do temporal de há pouco.

Ela observou a cena por alguns instantes e, já não se contendo de asco de ver aquela pomba gorda, preta, suja se revirando na poça de lama e água, exclamou:

- Ai que nojo dessa pomba! Olha aliii!

E, como se o bichano tivesse se ofendido, saiu no mesmo instante da porção de água, começou a bater as asas e voou. A distância entre o banheiro animal e o carro era pouca: no máximo um metro e meio.

Parecia a retaliação dos EUA contra o Afeganistão: a pomba voava em ofensiva contra o carro, batendo suas asas, espirrando água no vidro dando a entender que entraria no carro para tirar satisfação.

O pavor era tanto que ela não conseguiu completar as sinopses em seu cérebro já semi-derretido pela chegada do verão e concluir que bastava apertar o botãozinho ao seu alcance, fechando o vidro pra acabar com o sufoco.

Então, depois de gritinhos ridículos e tentativa inflada de se proteger com os braços do ataque do inimigo, o sinal ficou verde.

... não havia pombas na outra quadra, só alguns transeuntes se divertindo muito com a cena.
when your whole world is shaken from all the risks we have taken, dance with me.

To my big issue

Tem umas frases ditas "de reflexão" por aí que ensinam que a vida não se mede pela quantidade de vezes que você respirou, mas pelas vezes em que perdeu o ar, ou algo parecido.

Muito bem; eu costumo medir por cenas em que o mundo parou de rodar e ficou quietinho de expectador da minha vida.

Eu tenho bem linear na minha cabeça a maioria desses instantes: quando meu vô perguntou pro meu irmão o nome da capital do Brasil e eu gritei – Brasília, sem titubear antes que ele pudesse pensar na resposta, deixando ele embasbacado/quando eu tinha 10 anos e um menino ligou na minha casa perguntando se eu queria namorar com ele e eu desliguei na cara dele/ o meu primeiro beijo/ minha recuperação em matemática/ quando minha vó morreu e eu precisei entrar no quarto em que ela estava pra pegar um cartão com telefone e a vi morta/ minha festa surpresa de 15 anos com direito a coreografia dos Backstreet Boys/ a aliança do meu pai no dedo do meu irmão enquanto ele me orientava sobre como proceder porque nosso pai tinha morrido/ algumas músicas/ cheiros/ frases e, principalmente, momentos: esses são os meus favoritos.

O melhor foi o dia em que eu te conheci: aquele silêncio inexplicável, uma calma - tudo no teu olhar. e, de repente, tudo voltando ao normal.

E é assim que eu te levo pela vida: o meu momento favorito dos favoritos.

0 x 0


há muito que minha inspiração é pouca.

eu sempre e nunca; tudo e sempre - superlativos me rondam, batem na porta e tentam entrar. é que essa consciência, essa força pra ficar acordada os apavora.

enfim: sem festa hoje

nada flui, o que eu escrevo não é meu, não fui eu.

me desinfeto, desitradato, fico descalça, dou uma volta e converso com o cachorro.

a distração é mero retorno àquele lar.

bom dia!

sobre o eu em 2009

eu passei o reveillon de tons claros, cintilantes, fitas coloridas, champanhe e ondas puladas, além dum desejo de que as coisas desatassem.

e sabe que não dá pra reclamar? quer dizer, eu escrevo pra reclamar, sempre - claro que a maioria das coisas não foi como eu esperava - mas, como já diriam os Stones: "you can't always get what you want" (e pq será que não??).

analisando essa cadeia hereditária... eu tenho uns talentos únicos: o de estragar a unha no minuto em que saio do salão, de me ofender com entrelinhas de palavras que sequer foram dirigidas a mim e o de acomodar no ombro dos outros. esse último é realmente uma dádiva e a lição de 2009 foi, certamente, como não fazer isso. bem difícil, latejante, e nem posso dizer que relamnete tenha aprendido.será que as pessoas nunca vão entender que errar é meu esporte verdadeiramente predileto?

a verdade é que o ano não será memorável não...

será que mais alguém tem a mesma sensação que eu quanto ao passar do tempo? de que as arestas, os cantinhos vão encardindo, de tal jeito que Maria nenhuma dá jeito? E que essa poeira acumulada vai irritando, até vc pensar seriamente em se mudar? ideias suicidas? nem tanto...

há alguns dias falava com algumas pessoas sobre resoluções pro ano que vem: mudanças, em sua maioria, de local físico vieram à tona; o que me deixa mais aflita ainda: como boa canceriana que sou, provavelmente nào vá a lugar nenhum e essa parte de ficar sentada na estação acenando pra quem está indo é, no mínimo, desconfortável.

2009 foi intenso - especialmente no que se diz respeito a mudanças (palavra da vez, pelo jeito). em meio a sacolejadas, vertigens, desavisos e adaptações, posso dizer que sobrevivi. fui parar na uti umas vezes, mas contei com o apoio de muita gente, alguns sequer sabem que me apoiaram...

eis aqui minha principal teoria pra 2010, então: essa tal de mudança é inevitável. é burrice ir contra. o jeito é se adaptar assim, que tal fazer uma bela faxina, tirar logo essa poeira desses cantos super-aderentes, perfumar a casa, ajeitar um travesseiro no sol e aproveitar a vista?

p.s: brinde aos que te mantém em frente.

crise

e tenho 25 anos e não fiz metade do que tinha imaginado aos 13 que faria com 25.