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Eram 17h40: as duas voltavam cansadas do trabalho num trânsito que contornava um shopping em véspera de Natal.

Ao parar pela quarta vez em um pequeno trecho da rua que parecia infinita, contando com a fiel contribuição do motorista na frente, que aflorava seu espírito natalino deixando os outros motoristas entrar em sua frente, ela consentiu e resolveu aproveitar sua posição de carona para observar os acontecimentos a sua volta:

Passavam pessoas apressadas, cheias de sacolas, outras tantas (muito mais) com um semblante exausto aguardavam o coletivo, alguns aproveitavam o movimento em torno do shopping para comercializar desimportâncias, em meio a quase talentos perdidos nos instantes vermelhos do semáforo.

Dentre àquela histeria de consumo, enrolada com fitas vermelhas e luzinhas brilhantes, uma cena em particular lhe chamou atenção:

Um pombo, aquele bicho asqueroso, abominável, grande e desajeitado demais (e todas as aves não são assim?) se banhava tranquilamente numa poça d'água do temporal de há pouco.

Ela observou a cena por alguns instantes e, já não se contendo de asco de ver aquela pomba gorda, preta, suja se revirando na poça de lama e água, exclamou:

- Ai que nojo dessa pomba! Olha aliii!

E, como se o bichano tivesse se ofendido, saiu no mesmo instante da porção de água, começou a bater as asas e voou. A distância entre o banheiro animal e o carro era pouca: no máximo um metro e meio.

Parecia a retaliação dos EUA contra o Afeganistão: a pomba voava em ofensiva contra o carro, batendo suas asas, espirrando água no vidro dando a entender que entraria no carro para tirar satisfação.

O pavor era tanto que ela não conseguiu completar as sinopses em seu cérebro já semi-derretido pela chegada do verão e concluir que bastava apertar o botãozinho ao seu alcance, fechando o vidro pra acabar com o sufoco.

Então, depois de gritinhos ridículos e tentativa inflada de se proteger com os braços do ataque do inimigo, o sinal ficou verde.

... não havia pombas na outra quadra, só alguns transeuntes se divertindo muito com a cena.

Um comentário:

Iris disse...

Que pomba revoltada! Mas o texto está ótimo!